Notícias dos 21

A Revolução Constitucionalista de 1932

Por Dr. Pedro Paulo Penna Trindade*

 

Palestra realizada dia 16.7.2013 no Clube dos 21 Irmãos Amigos de São Paulo

 

Prezado Dr. Manoel Joaquim Ribeiro do Valle Neto, DD Presidente do Clube dos 21 Irmãos-Amigos de São Paulo, em nome de quem cumprimento os demais integrantes desta mesa.

Relembrar os 81 anos da eclosão da Revolução Constitucionalista de 9 de Julho é, sem dúvida alguma, uma questão de orgulho para todos nós que amamos a liberdade.

Num momento em que a inobservância aos valores éticos e morais têm sido uma constante por parte de nossos governantes, numa verdadeira afronta à ordem pública e ao respeito para com todos nós brasileiros, nada mais oportuno relembrarmos a data cívica de 9 de julho, que até hoje simboliza a luta dos paulistas pela restauração dos direitos constitucionais no ano de 1932.

Sempre nós, paulistas, mantivemos arraigados os princípios de liberdade, amor à democracia e temos sido defensores intransigentes de uma pátria unida sob a égide da legalidade. Foi o que fizemos no passado, em 32 e em todos os momentos tumultuados da República.

Já em 1930, o ditador Getulio Vargas passou a exercer um poder ilimitado, destituindo governadores, chamados presidentes dos estados e substituindo-os pelos tenentes, que assumiam como interventores, sem qualquer ligação ou vinculo com os estados para os quais eram nomeados. Após quase dois anos de atos discricionários, impondo-se a ferro e fogo as ordens do ditador, São Paulo não mais agüentou o que vinha acontecendo. O desprezo às legítimas aspirações de seu povo e o espezinhamento a que era submetido tornava a situação insustentável.

Foi então que em 1932 o povo paulista se uniu em luta, desejando trazer de volta certos valores como liberdade e democracia por meio de eleições gerais e uma nova Constituição para o Brasil.

Deram-se, então, início às manifestações de rua. Oradores inflamados discursavam em vários pontos da cidade clamando por liberdade, entre eles Ibrahim Nobre, que fazia de sua tribuna uma trincheira cívica. O povo andava tão agitado que o dia 23 de maio amanheceu em clima de guerra civil.

Um comício foi marcado para as 15 horas deste dia, na Praça do Patriarca. Parte da multidão se deslocou para o outro lado do Viaduto do Chá, sem qualquer voz de comando, com o intuito de rumar para os Campos Elíseos, meta final da jornada. Ao passarem pela sede da Legião Revolucionária, que ficava na esquina da Praça da República com a Rua Barão de Itapetininga, elementos exaltados se manifestaram e foram recebidos à bala. Alem dos muitos feridos, morreram neste local, os jovens Euclides Bueno Miragaia, Mario Martins de Almeida, Dráuzio Marcondes de Souza e Antonio Américo de Camargo Andrade, que se tornaram os mártires do Movimento.

Das iniciais de seus nomes, Miragaia, Martins, Dráuzio, e Camargo, nasceu a sigla MMDC.

Com a deflagração da revolução, imediatamente começaram se apresentar voluntários para lutar. Segundo o historiador Hernani Donato, autor do livro “A Revolução de 32”, entre 48 mil e 55 mil homens se inscreveram nos postos de alistamento para combater ao lado dos batalhões da Força Pública, deixando família, negócios, tudo para se oferecer à luta. A maioria nunca havia pegado em armas e mal sabia atirar!

Relata-nos ainda, este grande historiador, que “As centenas de milhares de brasileiros envolvidos na luta, confrontaram-se em 64 combates principais e em outros tantos de menor envergadura. O governo provisório, que tinha 24 aviões militares para enfrentar a aviação constitucionalista, chegou a mobilizar 350 mil homens e 250 canhões, enquanto nós possuíamos apenas sete aparelhos civis mal adaptados.

Eram soldados que formavam dois exércitos em guerra, mas em continência e respeito à mesma bandeira!

O Movimento Constitucionalista pôde contar em sua luta pela democracia, com a importante participação do General Julio Marcondes Salgado, vítima da explosão de uma nova arma que seria empregada no combate às forças da ditadura; também o jornalista Julio de Mesquita Filho muito colaborou por meio de seu jornal, O Estado de São Paulo, alem do Governador Pedro de Toledo, bravos heróis que souberam enfrentar com galhardia e heroísmo dias negros de nossa história pátria.

A Associação Comercial de São Paulo, presidida por Carlos de Souza Nazareth, muito contribuiu à luta dos paulistas em 1932, não só apoiando seus associados, como dando retaguarda àqueles que iam para as fileiras armadas. A entidade organizou a arrecadação de donativos, suprimentos e controlou a distribuição de material bélico, coordenando também a Campanha do “Ouro para o Bem de São Paulo”, que tinha por objetivo socorrer o Tesouro Paulista em sua função de manter a normalidade possível da vida civil e dar sustentação ao exercito revolucionário.

Também o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, por meio de seus membros titulares tomou posição ativa e firme contra os desmandos do ditador Vargas, levantando a bandeira cívica da importância de se viver em um regime democrático. Entre eles podemos citar Roberto Cochrane Simonsen, Guilherme de Almeida e tantos outros nomes de envergadura que seguiram o famoso lema do Instituto na ocasião: “A história de São Paulo é a história do Brasil”

Outra força coadjuvante na luta dos paulistas em 32 foi a importância da veiculação de notícias: O rádio, invenção recente, desempenhou papel fundamental. Descoberto seu potencial, instalaram-se alto-falantes por todo o centro da cidade, e o povo passou a escutar vozes vibrantes que se tornaram famosas, como a de Cesar Ladeira e Nicolau Tuma, os quais transmitiam notícias e conclamavam o povo paulista a se unir e a lutar. Marchas militares, músicas e hinos marciais compunham a programação. Procurava-se sempre criar um clima de otimismo. Cartazes espalhados por todo o Estado lembravam: “Você tem um dever a cumprir: consulte a sua consciência. Eles estão a sua espera para completar o batalhão – alistem-se paulistas – às armas!”

Não se pode deixar de destacar o importantíssimo papel da mulher paulista no cenário da militância civil em 32, pela sua pujança, coragem e abnegação ao trabalho despendido em prol desta causa. Foi heroína da guerra muda e do sofrimento atroz que lhe causava o perigo constante, que não só ameaçava os seus entes queridos como a si próprias, expondo-se ao fogo inimigo e ao bombardeio aéreo. Tratava-se de uma atitude cívica primordial. Sua atividade voluntária, exercida nos hospitais e nos postos de saúde foi marcante, inclusive nos de campanha e nas frentes de combate. Seu trabalho foi também muito importante nas numerosas Casas do Soldado, espalhadas pelo interior do Estado, onde costuravam fardamento e preparavam lanches e refeições para serem levados às tropas em seu deslocamento.

Entre estas valorosas mulheres, destacamos a professora Carolina Ribeiro, que durante a Revolução organizou e dirigiu o Serviço de Assistência à Família do Combatente e o Serviço de Orientação Técnica da Legião Brasileira de Assistência. Outra mulher que se destacou em 1932 foi Olívia Guedes Penteado que juntamente com Carlota Pereira de Queiroz e Carolina Ribeiro, tiveram atuação marcante junto ao Depto. de Assistência à População Civil. São delas as seguintes palavras divulgadas pela Rádio Record:
“Paulistas, Mães, Esposas e Irmãs, soou a hora sagrada da redenção do nosso Estado. A luta que travamos é contra a opressão, contra o erro, contra o crime. Quem se bate pelo regime da justiça, da liberdade e do direito, será sempre apontado na história da nossa terra, como o defensor da verdadeira, da suprema causa da nacionalidade. Esta causa – vós já sabeis – é a causa da Lei. Viva o Brasil!”

A médica Carlota Pereira de Queiroz, durante a Revolução, comandou junto a seção paulista da Cruz Vermelha um grupo constituído por 700 mulheres que prestavam assistência aos feridos. Além de prestígio, esse trabalho garantiu-lhe uma vaga na Assembléia Nacional Constituinte. Em 1933, eleita e empossada, tornou-se a primeira deputada federal da América Latina.

Também o envolvimento das crianças na prestação de serviço às tropas foi um exemplo de amor à pátria, servindo como mensageiros e estafetas. Fotos existentes mostram crianças uniformizadas, tão pequenas, a ponto de serem fotografadas com dedo na boca, carregando o cartaz: “Se for preciso, nós também iremos.”

O historiador Hernâni Donato conta-nos que 398 meninos atuaram como mensageiros dentro da cidade durante o conflito, em áreas onde não havia perigo. Entretanto, na cidade de Campinas, alvo do primeiro ataque aéreo contra uma população civil, um dos episódios mais impressionantes aconteceu envolvendo uma criança. A Cidade teve a desventura de perder um heróico escoteiro, Aldo Chioratto, de nove anos de idade, que morreu em frente à sua casa, vítima do bombardeio de um “vermelhinho” – apelido dos aviões da ditadura. Outros meninos, Oscar Rodrigues, de onze anos e Dilermando dos Santos, de quinze anos, também perderam suas vidas por amor à pátria.

Enfim, toda uma mocidade estudantil e operária, generosa e idealista, acorreu aos centros de alistamento, oferecendo sua vida e seu sangue a São Paulo.

A Revolução de 32 tornou-se um símbolo na identidade do povo paulista.

São Paulo lutando com armas obsoletas, espingardas, revolveres, garruchas e fuzis descalibrados, conseguiu por três meses lutar contra as superiores forças inimigas, transformando diversas indústrias em fábricas de cartuchos e de balas. Fabricou nas oficinas de reparação das ferrovias o famoso “Trem Blindado”, inclusive tanques de guerra.

No front, para fazer crer ao inimigo que possuía armas automáticas como fuzis-metralhadores, utilizou-se a famosa matraca, que produzia o som de uma dessas armas, ou se faziam funcionar motocicletas para com o ronco amedrontar o inimigo.

Segundo a historiadora Vany Pacheco Borges, em seu livro “São Paulo, uma longa história”, – desde o dia 12 de agosto o General Klinger sondava o governo federal para um armistício, enquanto Líderes Civis e o General Euclides de Figueiredo insistiam na continuação do Movimento, ainda que condições objetivas apontassem para a derrota inevitável. Esse exacerbado radicalismo ficou patente num improviso proferido em praça pública por Ibraim Nobre, que no desespero da derrota, assim dispôs:

“A revolução não deveria terminar assim. Depois que fossem os filhos, iriam os pais. Depois que eles morressem, iriam as irmãs, as mães, as noivas. Todos morreriam. Mais tarde, quando alguém passasse por aqui, neste São Paulo deserto, sem pedra sobre pedra, levantando os olhos para o céu, haveria de ler, no epitáfio das estrelas, a história de um povo que não quis ser escravo”.

Afinal, a Revolução deveria ser feita pela Frente Única – larga corrente de liberais, principalmente do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais, do Distrito Federal (hoje Rio de Janeiro), do Mato Grosso e outros Estados. No entanto, São Paulo foi traído por Minas Gerais e pelo Rio Grande do Sul, que aceitaram as vantagens pecuniárias do governo provisório, ou seja, o perdão das dívidas de seus Estados para com a República.

Os que deveriam marchar e combater ao lado de São Paulo – marcharam e combateram contra São Paulo.

Os combates mais importantes do Movimento Constitucionalista se deram na região do Túnel da Mantiqueira que divide São Paulo de Minas Gerais e que era considerado um ponto militar estratégico de grande importância.

Devido à forma com que os meios de comunicação apresentaram a luta, a derrota foi um choque para muitos. Em 02 de outubro de 1932 foi celebrado o armistício entre o Alto Comando da Revolução Constitucionalista e o governo ditatorial de Getúlio Vargas, objetivando a cessação das hostilidades e a definição das regras para o término do movimento que buscava uma constituição para o nosso país.

Meus amigos, “CIVISMO” é a difícil tarefa de amar, em grandeza superior, os valores do País, do Estado e do Município. Uma pessoa acometida do vírus cívico é aquela que consegue romper os muros estreitos e menores de um cotidiano medíocre para se envolver em lutas e projetos que dignifiquem a vida.

Por muito menos do que acontece no Brasil de 2013, os paulistas pegaram em armas em 1932.

Portanto, a data 9 de Julho é a referência máxima de honra e glória que jamais deixaremos desaparecer de nossa história pátria.

O Movimento Constitucionalista foi uma guerra que custou a vida de quase mil soldados. O Governo Federal jamais divulgou o número de suas perdas.

Homenagear o Movimento de 1932 nos dias de hoje é sinalizar que os ideais democráticos não morreram.

São Paulo combateu o bom combate, caindo de pé, moralmente vitorioso. Pode ter perdido a batalha, mas não a guerra! Se por um lado fomos derrotados nas armas, por outro saímos vencedores pela disseminação de um sentimento de democracia. Ademais, a demonstração de força e de brio do povo paulista não foi em vão, pois em 1933 uma assembléia constituinte se forma e já em 1934 é promulgada a almejada Constituição.

Portanto, nada mais cívico comemorarmos o valoroso Movimento Constitucionalista de 1932, não só para servir de exemplo às novas gerações, como também para ressaltar o patriotismo dos que lutaram em prol de uma constituinte. Muitos morreram em combate, no justo objetivo de restauração dos direitos constitucionais do país.

Por fim, a melhor definição sobre a Revolução Constitucionalista vem do poeta Paulo Bomfim:

“A trincheira de 32 foi a pia batismal da democracia em nossa terra”.

Meus amigos, em 1932 aconteceu a maior revolução que o Brasil teve em todos os tempos de sua história e até hoje simboliza a grandeza, o brio e a dignidade de um povo que tem sede de liberdade e justiça!

Obrigado.

 

(*) Dr. Pedro Paulo Penna Trindade, casado, formado em Direito pela Universidade Mackenzie. Trabalhou por mais de  três décadas como procurador jurídico de três Bancos, respondendo por todas as demandas dos bancos no Brasil. Atualmente exerce advocacia em escritório próprio,  atuando na área do Direito de Família. Diretor da Associação Comercial de São Paulo.  Integra os Conselhos Cívico e Consultivo. Membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.  Diretor da Sociedade Veteranos de 32 – MMDC.